quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Mixagem

Dinheiro?
Para que dinheiro
Se meus versos não estão a venda, meu senhor?]

A besta  sobe a rua treze que corta a rua quatorze
Palita os dentes após o almoço em Bagdá.

Poesia não se vende em qualquer feira
Não se dá em qualquer pé
É fruta graúda, é fruto dos bons,
meu senhor.

Quem de Cora à Coralina deseja ir
Boa Pessoa tem que ser,
Pela manhã uma dose de Quintana,
Uma poção de Mário e Assis batida no liquidificador
E meia torta de Cecilia
Come, Mastiga, Tritura, Clariceia
Antes da viagem reze a São Vinícius e a São Noel]
E então parta.

A paisagem é clara:
Graça na Aranha, Aranha no Carlos,
Carlos na mosca a mosca no pão.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Louvor à Copacabana

Ah, Copacabana dos dias meus,
De sol e mar
De nuvens brancas embriagadas
No infinito azul do céu.

Em qualquer esquina, em qualquer lugar
Entregue a companhia de bons amigos
Da branquinha, da pretinha e do violão
A vida passa, a vida diz: "Copacabana".

Duque de Caxias,
Trago em meus versos seu asfalto,
seus corcovados e seus edifícios,
Poeira que de mim não sai.

A brisa mansa vem anunciar,
Do amor que será, que será:
"Ai, de mim. Copacabana!"

Dente de Leão I

Redondo e leve
Como a bola de sabão
Vai subindo para o céu
O meu dente de leão.

Vai macia como a pena
Rindo para o vento,
Vai cantando, vai girando
O meu dente de leão.

Vou fazer uma oração
Ao meu dente de leão
Vou pedir um novo amor
Ao divino São João.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Sistema

Ao porto de metano
Residência fixa de Narciso
Urubu é rei.
É lá que me vejo Eros
A procura de minha consciência
No cais, no cal, na lama.

Naftalinas holísticas
Entorpecem os neurônios de meus sapatos.
Calçados, cansados calçados de ir e vir]
De Giramundo, de vagabundo,
Vaga mundo, Vagar mudo

- Filho da puta!
Delatam silenciosamente
As baratas em meus bolsos
Me informando das horas,
Sempre a espera das 4:20

Há guerra no Brás,
Avalanche de gente
Indo e Vindo.
Corpos vagando
Sem ritmo, sem tino
Em meio a violência da cidade.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Sem rima, sem forma...
Frutos do acaso, surgem,
Palavras não ditas
Sentidas, transcritas
Nas tábuas duras do papel.

Saudades de minha mãe.
Parideira, artesã
Sexagenária, tecelã
Operária na velhice - no mundo.

Caducou-se,
Na soleira de meus versos
Inda vejo suas mãos, os peixinhos
A naftalina, o ferro de engomar
As flores, os bordados...
Tudo a perpassar-me pelo  fio da memória.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Devaneios 1


Muitas coisas me instigam, porém não sou capaz de dissertá-las, de certo que não é por medo, mas por não ter uma linha de raciocínio sólida... ou pela memória que me falha. 

Pensando bem, já não tenho uma boa memória, ultimamente tenho esquecido muitas coisas. Esqueço-me, por exemplo, da funcionalidade do cigarro, por minutos observo-o em uma de minhas mãos até recordar-me que preciso acendê-lo e tragá-lo. Assim se dá com a masturbação. Já não sei qual é sua funcionalidade. Oras, falar de sexo!

Sentei-me dia desses na beira da praia, ao lado da esfinge de Clarisse, aquela estátua de bronze, fria, sombria, hermética me olhava e me dizia: "Coragem, Carlos. Coragem!". Maldição, como ela sabia do meu pseudônimo espiritual? Dizem que esse é o primeiro sinal da loucura, ouvir espíritos. Bom... estou em vantagem, eu ouvi a esfinge de Lispector, pior mesmo era Olavo Bilac que ouvia estrelas.

Sempre acreditei que havia uma linha tênue entre a razão e a loucura, acho que por isso Sartre criou aquela personagem tão estúpida como o Daniel. Digo, estúpido, eu ou Daniel?

- Não te apoquente Carlos. - Disse-me uma vez Drummond - Pois há uma pedra no meio do caminho.

"O que ele quis dizer?", penso eu. Não sei, não sei! Comecei a ter umas ideias para a semana de arte moderna. Penso, pois, em uma arte revolucionária, pessoas nuas, fotos, jornais, quadros de orifícios, genitais, jornais, jornais, tetas, mídia, mídia... Pois bem, quero que toda a imprensa registre o pensamento clássico de que o homem é um animal domesticado. Um animal completamente indefeso. 

- Vejam, vejam, companheiros, essa é a notícia que se dará: - Pessoas nuas invadem a "Via Láctea" homens, mulheres, crianças, todos ao mundo como ao mundo vieram!

Malditos vaga-lumes que me incendeiam os candelabros do juízo, já não me recordo o motivo de estar dizendo essas coisas. - Eu? Eu estou fumando sossegadamente meu Marboro frente ao mercadão da Lapa de baixo. Observando um empresário gritar: "Água, Água geladinha e fresquinha freguesa...". Como essa gente do mundo dos negócios é ímpar. Ele passa, eu passo... Mas os motores ficam em meus ouvidos, "Acorda Carlos, que no meio do caminho, ao meio do dia, há uma pedra".

Dona Lara é enfermeira aqui no hospital de reabilitação do juízo. Está a me convidar: - Levanta, Rodrigo, vamos tomar banho de sol - ela me trata como se eu fosse criança. Mas vejam, senhores, o filósofo dizia: "Os olhos são as candeias do corpo", como pode um olho bom ter a mente sem juízo? - Pois, pois, eu vos digo senhores, "Nós somos sóbrios, tão sóbrios quanto aos insanos fora deste trem em que me encontro, pois somos capazes de dar a luz a uma estrela cintilante", agora, eu, Carlos, vou tomar sol na janela do trem e olhar os pés de jacarandá até chegar à estação.

Do amor que me veio

Há flores no caminho,
Tantas quanto se pode imaginar,
É primavera e o amor chegou
De frauda e asa quebrada,
Nem alto e nem baixo,
Nem gordo e nem magro,
Não muito feio, não muito bonito,
O amor não olha essas coisas
O amor apenas... apenas se dá.

É primavera
O amor caiu sobre o meu telhado
e rolou telha a baixo até minha janela.
Infeliz, tinha o peito nú.
Chegou na hora do chá,
Se fica para o almoço não se sabe.

Pequenino, pequenino,
Pequenino é o meu amor
Que paira sobre a flor da paineira
Em frente minha janela,
Ao almoço, da cozinha o vejo,
Gorjeia meu sabiá, e o menino ri!
Ah, que riso gostoso,
É o riso do amor,

É primavera
Na porta de casa, na porta do bar...
Olho pela vidraça do carro,
PA-RA-LE-LE-PI-PE-DO
Digo ao pensar no amor que me veio
O pequeno anjinho me espia
Num tom sério finjo que não o vejo
PA-RAA-LE-LE-PI-PE-DOOO...?
Um sorriso imenso brota do vasinho de orquídea
Foi ali que o danadinho se escondeu.

O amor,
Sem rima, sem métrica e sem forma,
Um amor reverso ao parnasiano,
Reverso ao simbólico e ao moderno
Um amor romântico se me veio,
Pois é primavera...  é primavera e o meu amor dorme
Dorme dentro do vaso de orquídea
que agora jaz despetalado.


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Fora de ordem

"Ei meu amor
A noite chegou
O dia acabou
E o que vai ser?

O fogo queima a lenha
A colher gira na xícara
A mosca cutuca a aranha
A aranha deglute o rato

Ei meu amor
O dinheiro acabou
A fome apertou
E o que vai ser?

Silêncio entre a mobilha
"Tenho fome" geme o fogão
O gato atrás da moita
A boca cospe o pão.

Ei meu amor
A fome apertou
A noite chegou
O dinheiro acabou
E o que vai ser?

A xícara esfola o pires
O fogão engole a lenha
O garfo espeta a ervilha
A aranha deglute o rato".

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Dama de Paus

Ao filho que não nasceu
E o sorriso que não dei
Deixo o meu legado
Dama de Paus.

Ao filho que não veio
Quero que saiba
Que meu corpo rola do alto do morro
E mais uma travesti,
Só mais uma travesti
dá a luz ao seu rebento.

Dama de Paus,
de pau na virilha
Dona de um baralho mudo
Dona do tarô do mundo
Irreverente, militante, preta
Gostosa, e não se engane: Mulher.

Este é o legado que amamenta
no bico de teu seio:
Dama de Paus,
Zumbi, Anastácia, Dandara
Mãe Beata, Tia Ciata, Rafael Braga.

Sangue, Axé, Pinho Sol
É o que traz em suas ancas
É o que traz para lavar a terra.
Não se engane, meu amigo,
Dama de Paus, é a mulher do fim do mundo.



Perdoo-te Deus
Perdoo-te por sua ausência
E também por beberes mais do que eu
Tu és o meu desejo
E eu o desejo de tua existência.
És tu órfão como eu,
Nasceste de mãe sem pai
E se perdeu no caminho da Vida.

Perdoo-te pelo pão e pelo vinho
Pela água e pela uva
Que vós mesmo abandonaste
Chegou a seca no sertão do Cariri
Meu gado morreu
Devido a guerra e a seca
Retirou-se o povo do sertão do Ceará
Ai de Juazeiro! Ai de Paraíba!

Me perdoe Deus
Escute minha prece:
Olhe pro cerrado, olhe pra Ananais
Meu Padim Ciço,
Rogue a virgem santíssima por nóis
Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

Eu te perdoo Deus,
Te perdoo pela seca, pela sede
Pela morte,
Todo dia é dia de seca, de morte, de fome...
Te perdoo por levar minha gente pra arar a terra
Da fazenda do menino Jesus de Praga

Te abençoo Deus pelo pão que não comeu
Pelo vinho que não bebeu
Pela sede inconstante de minha constância.

Te perdoo Deus,
Como não perdoar-te se somos um?
Eu me perdoo Deus
Me perdoo pelos milagres que não fiz,
Pelo choro que não sequei
Me perdoo por não ser como tu
Me perdoo por ser Deus.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Toda a cidade passa
Boquiaberta, passa,
Entre os palavrões...
Embaixo da ponte o mendigo
rouba o pão nosso de cada dia

Cus, rolas, bocas, bocetas
Tudo espalhado pela cidade
Entre putas e ninfetos
Um consórcio da vida ou da morte,
drama e lei de sobrevivência.

Lágrimas chovem sobre a vidraça dos carros
Abafando o grito mudo
de  um aborto sem importância,
mais  um (a)feto descartado
o mendigo sujo  jogou-se
do viaduto,
o pão fundiu-se com a carne
e está servida a ceia dos miseráveis.
Entre bocas e cus
Pés e mãos
todos estatalados ao chão
Debaixo do viaduto,
cada qual pegando sua parte
Na ceia dos miseráveis.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Fragmentário

Metade de mim
é tudo o que lembro
quando absorto
dentro da noite escura.
A outra metade
é tudo o que esqueci
fronte ao mar.

(Mergulho e acordo  na noite estrelada dos céus de Gogh)

Há calmaria revolta,
solidão e pranto
das águas que se agitam
na arrebentação do cais em mim.

Esvaem-se meus pensamentos
num mergulho a fio
pelas nebulosas da abóbada.
Jorram ressacadas sobre os madrigais
perpétuas estátuas de sal
a salgar o pranto  em mosaicos
no calçadão de Copacabana.

domingo, 23 de julho de 2017

Morbidez

Metade de mim é
antropofagia mórbida
De uma rosa adormecida
no espelho de minha consciência.

A outra metade é saturação
entre o eu e o mim
Ponte que liga
realidade e fantasia;

O que sou eu
quando não uma guerra
entre o hipônimo e o hiperônimo?
Quem sou eu
caso não um elo
do adjetivo com o substantivo?

Nesta valsa
que liga as orações
sou capacho.
Na contradança
desta toada sem sentido
Monsenhor, sou vassalo.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Segregário

Flor
sobre o abismo.
Gente
gritando socorro.
Dor
na pátria civil.
Morte
nas favelas e guetos.
Construção
de gente faminta.
Justiça
implorando água.
Instrução
aos porcos.

Do céu da pátria chove
um pranto abundantemente
vermelho];
Seu Zé no alto do morro
chora
O sangue preto
do filho nos braços.

Miséria. Miséria.
Miséria no chão da pátria.
A fome assola minha gente,
Bocas cheias de dentes
riem ao sol
Riem o sal dos olhos
diante do fantasma da pobreza.

- Onde vais operário?
Teu suor já salgou por demais a terra
Não te demores por onde fores
O vosso enterro é logo já.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Versos de finados

"De nós restaram somente as lembranças, junto à elas as cinzas mortas de um cigarro e aquela marca de batom que deixastes estampada na velha taça que agora de dissolve."

Embriaguez I

Um rio desaguou-se na vida
a vida sobre o mar.
Tudo é imensidão, é infinito,
é loucura ardente

A vida, o mar,
a coroa sobre a fronde
sobre os seios
de uma vida a pulsar

O amor é o delírio dos loucos
A vaidade dos narcisos
A masturbação dos libertinos
e a máscara dos caretas.

Amor. Amar-te.
Amei-te na bituca de um cigarro
que agora assassino em um copo
de uísque]

Da Música

Música,
Rogo-te música,
Declama-me música.
Grito por música.

Toda musicalidade existente no mundo
Sobre a vida,
sobre o amor,
sobre o mar,
Sobre nós.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso, de Michelangelo (1508-1512).


Artista: Michelangelo Buonarroti (1475-1564).

Período Artístico: Renascentista.

Estética: Valorização da arte Greco-Romana (Perfeição estética nas pinturas, retomada aos conhecimentos científicos).

Identificação: Teto da Capela Sistina.

Características na pintura: Embora sejam estilos artísticos do séc. XX. É possível identificar com clareza a técnica Realista e Impressionista na imagem.

O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso, Michelangelo


ANÁLISE PESSOAL: No livro do Gênesis capítulo 3, o escritor narra a "Tentação de Eva e a queda do homem". Para compreensão de alguns detalhes será necessário ler a introdução prévia desta postagem, onde falo sobre Lilith.

Análise para compreensão da gravura "O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso"

Bora lá!

Ao lado esquerdo da imagem podemos visualizar Adão e Eva gozando de sua plena juventude, aparentemente exploravam a beleza de seus corpos, quando têm a atenção dispersa pela figura mitológica sobre a árvore.

É preciso observar com atenção a forma simétrica com que ambos fixam a serpente, um detalhe curioso é que a figura da serpente é metade réptil e metade mulher, essa mulher simbolicamente representa Lilith, supostamente a primeira esposa de Adão.

Michelangelo constrói corpos divinos para suas personagens, uma das características  em voga naquele período artístico (literário, filosófico, político e cultural).

A direita, após descumprirem a ordenança celestial de não comerem do fruto sagrado, o jovem Adão e a jovem Eva sofrem um envelhecimento súbito  ao serem tocados por um ser celestial nas vértebras cervicais.

Pecado, do grego, Hermatita,  também significa Erro. É presente a noção de que o pecado nos envelhece de acordo com mitologia judaico-cristã. Os primeiros homens da linhagem de Adão viviam até novecentos e tantos anos, Gênesis capítulo 5. Com a noção de transgressão sua estimativa de vida foi decrescendo até chagar a idade de cento e vinte anos, capítulo 6.

É importante observar,  sobre tudo, que Michelangelo tinha o real intuito de mesclar junto as  pinturas os seus conhecimentos científicos em anatomia. Por exemplo, o Tronco junto ao dorso de Eva, a serpente sobre a árvore, e o toque do ser celeste na coluna cervical de Adão.



Tronco junto ao dorso de Eva: Representação do arco aórtico com as coronárias emergindo da base (pequenas raízes), o tronco braquicefálico à direita, artéria carótida comum, artéria carótida interna e externa.

a) arco aórtico; b) veia jugular; c) artéria carótida com sua bifurcação; d) nervo hipoglosso emergindo junto à veia jugular e cruzando a artéria carótida externa.

Árvore principal: Não possui uma linha de continuidade com o galho em que Adão apóia as mãos. Tem-se a impressão de que esse galho está emergindo da parte posterior do tronco, mas, se isso ocorresse, porque estaria projetado para o lado esquerdo, como foi retratado, e não para o plano ao fundo? Nota-se também o braço direito da figura da serpente, apoiado junto a porção superior do tronco, e o braço esquerdo que cruza o galho da árvore no plano anterior.

Afim de saber mais questões Anatômicas na obra de Michelangelo? Segue o link do blogger da Dra. Renata Calheiros Viana.


Arte médica

domingo, 2 de julho de 2017

Infância

Vai menino,
Corre pelo mundo 
como que atrás da bola
Empine sua pipa
sobre o farfalhar violento do vento
Enquanto as biroscas de gude
rompem o triangulo.

Ele roda, 
o meu guri roda
Como quem solto pelas cordas
de um  pião.
Vai meu guri, vai inerte pela ladeira
Como quem acabara de tocar
a campainha da vizinha
e se escondera para vê-la vociferar.

Ei, menino!
Saia do quintal do Manoel,
Deixe os pés de cana no lugar!
- E uma bola de canhão
feita de mamona atinge o narrador
do andar de cima.

Esconde-esconde, rouba bandeira,
entra o menino na ciranda cirandinha
e tropeça no suco gelado da corda,
vejam como seu cabelo ficou arrepiado!

Como ele pula na amarelinha,
e vence sempre no jogo de cards 
Esse é o meu menino
Esguio, miúdo de dar dó,
sorrateiro e valente. 

Corre, corre meu guri
que o teu amor de vidro  se quebrou
Um novo rebento há de nascer
Em teu berno que estourou.








O segredo de Jorge

Já caía o alvorecer quando ele chegou e eu ainda não estava pronta.

Disse a ele que se sentasse no sofá enquanto iria tomar um banho e me arrumar. Subi e rapidamente tomei um banho, escovei os cabelos, fiz todo o processo de higiene feminina e em uma hora e meia estava pronta.

Ao chegar na sala não o avistei. Percorri os demais cômodos da casa a sua procura e nada. Então resolvi olhar pela janela e avistei-o em frente ao carro, fumando. Aliviei-me, a essas horas mil e uma coisas já haviam atordoado-me os sentidos.

Já acomodada no carro de Jorge, percebi que ele estava atônito e  disperso. Era de seu costume reclamar de minha demora, e eu sabia o quanto ele odiava meus atrasos quando o assunto era compromissos agendados previamente. Porém, mesmo assim resolvi ficar calada, o que é deveras difícil. 

Durante toda a viagem Jorge permaneceu calado e eu também. Chegamos ao restaurante e fomos guiados pelo garçom à nossa mesa no piso superior. E nenhuma palavra. Comecei a ficar preocupada e nervosa ao mesmo tempo. Tive vontade de gritar e perguntar o que estava acontecendo, nunca o vira daquela maneira.

Indiscretamente, comecei a olhar para o rapaz elegante desacompanhado ao lado, a fim de ser notada pelo meu parceiro e nada. Ele não estava ali! Em determinado ponto, levantei-me da mesa e dirigi-me ao banheiro. Lá, chorei copiosamente, passado alguns minutos, creio que dez, regressei a nossa mesa que para minha surpresa estava vazia.

Tentando me equilibrar em cima do sapato, fui caminhando lentamente até a mesa. Lá havia um pequeno bilhete que dizia:  "Me perdoe, tive que sair às pressas por motivos emergenciais. Espero que não note minha falta. De quem te ama. Jorge".

Meu Deus?! Não! Não comigo! Solicitei ao garçom que me providenciasse uma água com açúcar. E após alguns minutos de choro silencioso levantei-me desnorteada a espera de pedir um táxi e sumir. Era tudo o que mais queria.

Tive imensa dificuldade para descer as escadas, a ala inferior estava completamente escura e ao breu. Mas não me importei, naquele momento estava aérea demais para me importar com a iluminação do ambiente.

Chegando no piso térreo tentei tatear alguma cadeira, a fim de me locomover até a saída. Quando olhei para a bolsa para pegar o celular, notei um vulto  passar pela imensa sala e meu coração gelou. Instantaneamente me encolhi como um bicho acoado, quando de repente o alguém começou a dedilhar o piano. Era uma música muito bonita, a qual me era desconhecida. E notei que havia mais de um vulto.

A luz se acendeu tenuemente e meu Deus! Não pudia crer naquilo que meus olhos me mostravam.
Jorge estava ajoelhado no meio do salão e segurava uma taça de espumante na mão direita. Como pude ser tão estúpida! Era claro. Era isso!  Ele me pediria em noivado naquela noite.

Das sombras emergiam os vultos dos parentes e amigos com taças de espumante nas mãos. Reconheci no piano o rapaz da mesa ao  lado. E  aquela noite a agonia tornou-se em emoção, e pude ser inteiramente feliz ao lado das pessoas que amava.

sábado, 1 de julho de 2017

Análise para compreensão da gravura "O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso"

Introdução de análise à pintura "A queda do homem", de Michelangelo.

O objetivo aqui é a construção de uma resenha de entendimento objetivo para visualização da imagem e análise posteriormente postada.

Segundo as histórias mais antigas a primeira mulher a ser criada por Deus fora Lilith: "E criou Deus o homem a sua imagem e semelhança; a imagem de Deus os criou; MACHO e FÊMEA os criou"(Gn: 1:27). Ambos haviam sido criados da mesma matéria, o barro, porém de imediato surgiriam as primeiras confusões, pois Lilith não aceitava  submeter-se a Adão, muito menos a deitar-se por baixo dele, então ela o abandonou.

No segundo episódio vem a criação de Eva. "E disse o senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que esteja como adiante dele" (Gn: 2:18). Já que a primeira mulher fugira de Adão,  Deus  passa para o segundo plano: A criação de um ser mais frágil e submisso. "Essa se chamará varoa, porquanto do varão foi tomada" (Gn: 2:23).

No versículo 24, após a criação de Eva, Adão começa a falar sobre o matrimônio "Porquanto deixará o varão o seu pai e sua mãe e apegar-se-á a sua mulher..." e no verso seguinte o autor diz que ambos estavam nus e não se envergonhavam. Ou seja, deixa a entender que famílias já haviam sido constituídas, uma vez que este não tinha pai e nem mãe. Também é válido observar que a escrita  não possuí um espaço cronológico da contagem do tempo.

"E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher: e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne (...)" (Gn: 2:22-23). Note a expressão usada: "Essa é agora osso dos meus ossos", enquanto a primeira era feita da terra e possuía uma equidade em relação a Adão a segunda era feita de suas próprias entranhas. Neste caso Adão era a matéria prima e Eva o produto.

No capítulo 3 do Gênesis temos a expulsão do Homem do jardim do Éden, a figura da serpente é totalmente alegórica, o autor da epopeia, Moisés, usa de linguagem literária para comparar a astúcia de Lilith com a astúcia da serpente.  Lilith seria quem teria oferecido a Eva o fruto da árvore do conhecimento e esta ao seu adjutor.

Lilith foi a primeira figura a estourar a bolha do conhecimento pela inconformidade, e note, uma figura feminina. Ela tornou-se um ser divino em diversas religiões mesopotâmicas e ao mesmo tempo comparada com a figura de Satanás por ter levado o Homem à ruína.

As histórias bíblicas são meramente ilustrativas, são epopeias que narram o surgimento de uma civilização. A escrita do Gênesis tem como base a adaptação de lendas Babilônicas e Egípcias.

sábado, 29 de abril de 2017

Nostalgia 3

Os dias de meus tempos
nada serão,

Além de sonhos que se perderam
junto ao mar.
Mar,
mar de mim
Onde entrego minha utopia,
meus desejos...
Quando me fores
qual flor seca no jardim
Serei qual pólen
que vivifica a poesia
Degraus na escadaria
que cruzam o abismo em mim.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Formosa minha

Formosa minha
Vossos seios jorram  luzes sobre o sententorial
Principia o espetáculo da aurora
de meus pensamentos

Musa de minha trova
Monsehora dos versos vulgares
deste tão velho cancioneiro
Ascendentes ao firmamento de minh'alma]
Arrancastes o véu de minhas cãs envelhecidas]
Assolando-me o em assombro os luminares
a beleza das estrelas mortas
a espelhar no lago.

Oh, delírio de minha infância,
Candura e augúrio meu
Cândida ao mofo de minha amargura
Que se espalha nas estrofes destes versos.
Onde estás vós?

....

Meu coração soluça
pelos seios fartos de minha amada
Minha lira calou-se
Pranteando os olhos de minha
amiga

Choram as harpas reais,
Dilui-se a sacos e pó
A cinza reduz-se meu reinado.
Onde estás vós, ó musa dos dias meus?

Têmpera amargura deste bélico
Pois falta-lhe a pombinha à  janela.
Ó luz sobre a abóbada celeste
Monsehora de meus versos,
Onde pousastes pomba minha,
Flamingo meu?

sexta-feira, 3 de março de 2017

Letrinhas!

Letrinhas de massa
Saídas da fábrica
Direto do prato
Direto pra gente
Consoante e vogais
misturam-se numa mixagem infernal
Namoram, brigam,
riem e choram
enfim se enlaçam
formando palavras

Letrinhas vogais
quem vos criastes?
Quem vos inventastes?

Giram, giram,
num elefante azul
com orelinha de hipopótamo
riam, riam letrinhas, riam para mim...

Elas giram, giram, giram...
parecem borbulhar,
no fim do dia elas adormecem,
Dormem como a bela adormecida
esperando a gente acordar
Para dar continuidade 
ao show da fala...

O letrinha, volte cá!
Não terminei de prosear.
pois, pois, ela correu, caiu e adormeceu. 



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Esperança

Quando me for
para além das roseiras
o céu me será por lar,

Um conto nos lábios de um sábio
uma estrela extinta
no seu fulgor materialista
Sobre o céu da nação,
brilhe minha águia e minha serpente.

- Aonde vais ó sábio?

Há caminhos de sombra
além do roseiral,
estrelas mortas brilham,
lagartas morrem e riem
Em  um contrafeito espacial.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Nostalgia 2

Fui menino e hoje sou mulher
Fui mulher e hoje sou velho
Fui velho e hoje sou pó
Fui pó e hoje sou moça
Fui moça e hoje sou homem
Fui homem e hoje sou anciã

O vício anda dentro do tempo
Que fora do tempo é
E tempo não é,
O tempo que fora
Que é e não se sente

Fui tempo e hoje sou semente
Da semente puro mar,
-Oceano em Terra

Sou Terra, fui mar
Gaia inicial
fonte e primazia
Onde tudo se germina, se cria, se finda
Nostalgia mecânica,
inércia motora
Que violenta os corpos.

Nostalgia 1

No despertar tenho morte
Angústia de quem vive
Debruço-me sobre ela
E admiro-a qual paisagem

- Profunda contemplação

(...)

Senhora que me cerca
Em adágios chorosos,
Incógnita de quem ama

(...)

Um copo de gim sobre a mesa
O corpo de Gina sob a mesa

- Silêncio!

Alguém adormeceu...

domingo, 1 de janeiro de 2017

Inacabado

Aos amigos do peito
Apenas um soluço
Isso é tudo o que lhes posso dar
Nada passou de um engano prosaico
quando o ônibus em alta velocidade passou por cima de um corpo em inércia e desmembrou-o o cegando as vistas.

Não lembro-me de detalhes, contudo lembro  o suficiente para lhes dizer que a tragédia se sucedeu na rua 23 de maio, na esquina 12, quarteirão terceiro de uma São Paulo cinza.

Pois bem, assim fora o infortúnio. Voltava por volta das onze horas do dia de casa de Lulu, ou Laurieh, como quiser. Convidara-me para um chá das nove em casa de sua irmã Lurdes, mulher do alfaiate, loja 305 no centro.

(...)

Para quê contar o resto? Oras, que Brás Cubas de Machado lhes narre sua tragédia, de mim nada direi.

(...)