domingo, 20 de fevereiro de 2022

Meu cão

Vem meu pequeno, 
vem meu amor, 
A noite é fria
podes se resfriar. 
Sussurro seu nomezinho
baixinho, baixinho
meu bichinho pimpão
sussurro devagarinho no meu coração.

O sol já vem e a noite se vai
Será se vens meu doce cão?
Apontarás lá
No além do além
Com seu focinho branquinho
esbaforindo, esbaforindo
Em suas bruminhas de algodão?

De longe chamo seu doce nome
E...
Levanta uma orelha
depois a outra
fareja o ar
em um... dois... três... e pulos.
já vem, já vem a saltar,
Arqueja, arqueja
Rompe uma rua, rompe outra
para, descansa...
late, late
canta e dança.





quinta-feira, 1 de março de 2018

gênise

Se te abrires
Abras de dentro pra fora
Um botão
Do seio materno
Que se fecunda
No ventre profundo da Terra.

Se te fores poesia
Te seja de fora pra dentro
Traga pro oco
A luz de ter dois olhos
E toda a experiência do mundo.

Se te parires
Pare palavras,
Em que se consterna
Todo o sentido da vida.

Toda luz do sol se concentra
em Ti,
Um eclipse heliocêntrico
Sobre o antropocêntrico.


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mente suicida


O suicídio é uma ideia que não me abandona. De quando em quando insiste em bater-me a porta e dizer: "Olá, voltei". Já perdi as contas de quantas vezes essa ideia me toma a caixa do juízo.

Tenho procurado um alento nas religiões, porém tenho a plena convicção que são apenas subterfúgios para fugir da imensidão que existe em mim. Uma imensidão escura a qual não suporto mais olhar.

Dou voltas em torno de mim mesmo e a concepção de Deus a cada dia me parece mais distante, se torna tão longínqua que um dia me perderei da destra da divina providência.

Talvez seja um pouco de melindre, é o que sugerem. Ou preguiça, querem outros. Mas a verdade é que estou enjoado de mim mesmo, de criar vínculos sociais para fugir de mim, de buscar e abandonar todas as minhas responsabilidades por não suportar ver o meu reflexo no espelho.

Não só minha mente é suicida, como todo o meu corpo também o é. Talvez niilista, por mais que goste da vida, meu desejo por liberdade fere os conceitos de Sartre e Heidegger. Meu desejo por liberdade é matéria que meu corpo não alcança.

Não sentirei saudades, não sentirei remorsos... Apenas vou seguir meu curso rumo ao desconhecido.

Um dia não pagarei a energia elétrica e virão os homens cortar a luz. Assim é morrer, apagar as luzes do teatro e não abrir as cortinas numa certeza da aflição da plateia.

Dorme, menina. Dorme tranquila, minha consciência. Um dia o doutor dará uma anestesia geral e tu parará de sofrer desta dor tão agonizante que é o existir. Tua dor é de viver, de viver para si e para os outros, mas um dia o doutor Ramon San Pedro cortará a energia elétrica e ficará tudo bem. Agora durma, menina. Fique quietinha enquanto a paz não vem

Estado de demência
Violência,
Estado,
Estado violência.

Não digas adeus
Nem acene as mãos
Ou dê um sorriso
Se fores para  voltar.

Se fores para não voltar
Pegue o elevador
Não desça as escadas
Pegue Uber,
Disque os números mudos de teu telefone.
Do outro lado se eu atender
desligue  e siga,
Vá ao teu curso.

Se fores para não mais voltar
Não deixe saudades,
Alegria de quem foi e regressará
Saudade é para os íntimos,
Ela sobe escada, anda a pé
Pega condução pública
Que é para chegar bem devagarinho,
Mansinha, lenta sorrateira
E explosiva.

Se tens um medo
É o medo de pertence-te,
De reverberar suas afirmações e potência.
Sejas sua negação e abismo
Afirme suas contradições, meu irmão.
Do alto da montanha
O profeta diz: - Minha águia e minha serpente.

Teu medo é viver,
É de dizer sou da Terra
Árvore, água, fogo...
Não vês que a vida nada é,
meu irmão?
Se tu és,
És teu sim e teu não,
O tabaco, a palha,
A taboa e o cipó
Em que me deito,
Me mato
E morro.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Puetizando

A noite é das putas
E dos poetas,
Em cada bar
Jaz um poeta
Em cada esquina
dorme uma puta
A manhã vem,
A manhã é das Pombas.

Praça da República
Seis horas da manhã
É domingo,
Corpos sem vida na estação.
O banco abriga o mendigo
Que abriga a roupa
Roupa molhada,
- É que lavam a praça
A pomba voa,
Pombas secas
E não molhadas,
Pombas que voam
Agora acordadas.
Dormem as putas,
Sonham os poetas
Voam as pombas.